1 INTRODUÇÃO
Com a revogação das Leis 6368/76 e 10409/2002, o Legislador, quando da promulgação da Lei 11343/2006, optou por tratar com distinção as figuras do usuário de droga, traficante ocasional e traficante profissional.
Basicamente, a nova Lei de Drogas trouxe a lume uma nova proposta de enfrentamento ao tráfico de drogas.
2 DESENVOLVIMENTO
Segundo ensinamentos de Alice Bianchini, Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanchez Cunha e Willian Terra de Oliveira[1], os novos eixos centrais da nova legislação seriam os seguintes: “a) pretensão de se introduzir no Brasil uma sólida política de prevenção ao uso de drogas, de assistência e reinserção social do usuário; b) eliminação da pena de prisão ao usuário; c) rigor punitivo contra o traficante e financiador do tráfico; d) clara distinção entre o traficante profissional e ocasional; e) louvável clareza na configuração do rito procedimental; f) inequívoco intuito de que sejam aprendidos, arrecadados e, quando o caso, leiloados os bens e vantagens obtidos com os delitos de droga”.
No que tange pontualmente a distinção entre traficante profissional e ocasional, a Lei de Drogas, em seu art. 33, estabeleceu que as penas impostas aos agentes que habitualmente lucram com o comércio da droga seriam aquelas previstas em seu caput e parágrafo primeiro, enquanto o traficante ocasional poderia ser agraciado com o benefício do seu parágrafo quarto.
Eis o que apregoa o mencionado dispositivo legal[2]:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
§ 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: (Vide ADI 4274)
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
§ 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012)
Inserem-se neste contexto benéfico do art. 33, § 4º, da Lei 11343/2006,às chamadas “mulas do tráfico”.É de conhecimento geral que as organizações criminosas buscam cooptar pessoas em notória situação de desespero e aflição (questões familiares e financeiras), principalmente em países pobres e subdesenvolvidos da África e América do Sul, para serem potenciais transportadores de suas mercadorias.
Com esta medida, o Legislador reconheceu a situação de vulnerabilidade enfrentada por aqueles que aceitam o risco de transportar drogas para quadrilhas organizadas, bem como sinalizou que a política pública protecionista adotada para os usuários de drogas poderia e deveria ser estendida aos traficantes ocasionais.
Firmada esta convicção, a mencionada causa de diminuição de pena, nas palavras deAlice Bianchini, Luiz Flávio Gomes, Rogério SanchezCunha e Willian Terra de Oliveira[3], configurar-se-ia em uma “inovação benéfica para o réu”.
Assim, uma vez que o agente fosse primário, de bons antecedentes, não se dedicasse à atividade criminosa e nem integrasse organização criminosa, faria jus (direito subjetivo) a redução de sua pena em até 2/3 (dois terços).
Discutível, contudo, é a possibilidade de extensão da mencionada benesse para o agente reincidente e/ou portador de maus antecedentes por crimes diversos daqueles elencados na Lei de Drogas.
Em que pese à ausência de clareza do mencionado dispositivo legal, entendemos que as circunstâncias negativas inerentesà reincidência e/ou maus antecedentes devem estar associadas tão somente aos delitos tipificados no Capítulo III da Lei 11343/2006.
Isso porque, o espírito da norma contida no referido artigo lei é beneficiar e proteger o agente que não se utiliza da mercancia de entorpecentes como atividade profissional.
Se o intuito foi este, inapelavelmente a orientação normativa pretendeu afastar da regra benéfica tão somente aqueles que já tiveramqualquer espécie de envolvimento com o universo do tráfico de entorpecentes.
Nesta trilha, o art. 33, § 4º, da Lei 11343/2006 só não será estendido àqueles que possuírem maus antecedentes ou forem reincidentes específicosem delitos de drogas. Reincidência esta que, nas lições de Zafaroni e Pierangeli[4], “consistiria na prática de um novo ilícito igual, ou da mesma categoria, daquele que fora anteriormente condenado”
Evidente, portanto, que o art. 33, § 4º, da Lei 11343/2006, ao dispor sobre a redução da pena do traficante ocasional, trata da reincidência e maus antecedentes quando relacionados aos crimes de drogas.
Tal interpretação decorre da própria natureza do instituto benéfico descrito no citado dispositivo legal, que nitidamente privilegiou e amparou aqueles cidadãos que momentaneamente se viram envolvidos no mercado ilícito de entorpecentes.
Neste contexto, a finalidade da referida norma minorante é agraciar o transportador (vulgo “mula”) com uma pena mais suave e condizente com sua pequena participação no esquema criminoso.
A análise global das normas contidas na Lei 11343/2006, aliada a intenção inicial do Legislador, revela a busca incessante de punição daqueles que promovem afirmativamente o comércio ilegal de entorpecentes, ao passo que meros usuários ou agentes sem vinculação com organizações criminosas são tratados com toda a benevolência estatal.
3 CONCLUSÃO
A partir destas premissas, e amparado principalmente nas metodologias de interpretação histórica[5], sistemática[6] e teleológica[7], o magistrado, quando da análise do citado dispositivo, ciente de que o agente não possui envolvimento com organização criminosa e nem se dedica a atividade criminosa, deverá considerar, como elementos aptos a afastar a primariedade e bons antecedentes, apenas eventuais práticas delituosas que guardem conexão com os crimes de tráfico de entorpecentes.
4. BIBLIOGRAFIA
Site Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br.
BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; OLIVEIRA, Willian Terra. Lei de Drogas Comentadas. 3º ed. rev. E atual. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ed. rev. e atual. São Paulo, Editora Saraiva, 2006.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1, parte geral. 7 ed. rev. e atual. São Paulo, Revista dos Tribunais: 2007.
[1]BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; OLIVEIRA, Willian Terra. Lei de Drogas Comentadas. 3º ed. rev. E atual. São Paulo, Revista dos Tribunais: 2008, p. 7.
[2]Extraído do sítio:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm. Acesso em: 12/02/2013.
[3]BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; OLIVEIRA, Willian Terra. Lei de Drogas Comentadas. 3º ed. rev. E atual. São Paulo, Revista dos Tribunais: 2008, p. 199.
[4]ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. 1, parte geral. 7 ed. rev. e atual. São Paulo, Revista dos Tribunais: 2007, p. 716.
[5]BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ed. rev. e atual. São Paulo, Editora Saraiva, p. 132. “A interpretação histórica consiste na busca do sentido da lei através dos precedentes legislativos, dos trabalhos preparatórios e da ocassio legis”.
[6] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ed. rev. e atual. São Paulo, Editora Saraiva, p. 136. “Não é possível compreender integralmente alguma coisa – seja um texto legal, um ahistória ou composição – sem entender suas partes, assim como não é possível entender as partes de alguma coisa sem a compreensão do todo. A visão estrutural, a perspectiva de todo sistema, é vital”.
[7]BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ed. rev. e atual. São Paulo, Editora Saraiva, p. 138. “As normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, ao espírito e sua finalidade”.
Defensor Público Federal, com pós-graduação em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Pablo Luiz. Da exigência de reincidência específica para afastar a causa de diminuição de pena prevista no Art. 33, § 4º, da lei 11343/2006 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 fev 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /33864/da-exigencia-de-reincidencia-especifica-para-afastar-a-causa-de-diminuicao-de-pena-prevista-no-art-33-4o-da-lei-11343-2006. Acesso em: 29 dez 2024.
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